quarta-feira, 30 de julho de 2008

REVIEW - Midnattsol - Where Twilight Dwells e Nordlys



Colectivo germânico-norueguês composto por seis elementos, os Midnattsol nasceram em 2002, pelas mãos e mentes criativas de Carmen Elise Espenaes e do guitarrista Chris Hector. A estes juntaram-se um segundo guitarrista Daniel Droste, o baterista Chris Murzinsky, o teclista Daniel Fischer e a segunda Senhora do Metal desta banda, a baixista Birgit Öllbruner. Em 2003 a banda grava uma demo auto-intitulada, obtendo rápida atenção dos apreciadores do estilo e da imprensa especializada, o que resultou no acordo com a proeminente Napalm Records. É assim que em 2005 sai o registo de estreia Where Twilight Dwells, primeira afirmação da sonoridade dos Midnattsol. Quatro anos depois sai o sucessor deste trabalho, Nordlys.

Mais conhecida como a banda liderada por duas beldades nórdicas ou ainda mais pelo facto de uma delas ter apelido Espenaes, há mais nos Midnattsol do que estas etiquetas que tentam colar-lhes. O facto de ter, não apenas uma, mas duas Senhoras do Metal na sua formação é só mais uma originalidade do colectivo, entre muitas outras. É notável a sonoridade folk metal que estabeleceram à sua maneira e mais notável ainda é a voz que lidera o colectivo, uma voz versátil, em mutação. Para muitos, o apelido de Carmen não deixa dúvidas e não será necessária uma pesquisa intensa para ficar a saber que se trata da irmã mais nova de Liv Kristine Espenaes (ex-THEATRE OF TRAGEDY, LEAVES' EYES). As semelhanças entre ambas poderiam ir até ao tom de pele e cabelos, mas não mais longe, já que as duas têm hoje o seu lugar próprio na cena metal de influências nórdicas. Aqui ficam algumas razões pelas quais estas etiquetas vão deixar rapidamente de se aplicar. As outras podem descobri-las ao ouvir as duas obras musicais que apresentamos em seguida.


Where Twilight Dwells - 2005


Tracklist:
1. Another Return
2. Lament

3. Unpayable Silence
4. The Haunted
5. Desolation
6. Enlightenment
7. Tårefall
8. Infinite Fairytale
9. Pa Leting
10. Dancing With The Midnight Sun



À primeira vista a voz de Carmen poderia não ter nada de especial - é isto que poderíamos pensar ao escutar este Where Twilight Dwells (WTD). Timbre pouco elaborado, de quem fala em vez de cantar, de quem conta uma história numa noite escura, baixinho. Essas histórias são assim contadas porque em redor delas impera o silêncio de quem escuta e que apenas as palavras vêm quebrar suavemente, provocando arrepios e transportando-nos para os cenários de contos de fadas ou de terror. Se pensarmos que, em vez deste silêncio, há antes música, mas mais do que isso, se pensarmos em todo o peso dos instrumentos associados ao metal, guitarras pesadas e sinuosas e baterias insistentes e se, ainda assim, essa voz persistir, começamos a pensar que há algo de errado. O silêncio é substituído pelo peso de riffs de guitarra, mas a voz continua, doce, falando, narrando, contando as mesmas histórias - contos de fadas e de terror. Se imaginarmos este cenário, estaremos o mais próximo possível da sensação que é ouvir a música dos Midnattsol. E se em vez de imaginarmos, o fizermos mesmo, estamos perante uma experiência que primeiro se "estranha e depois se entranha", como já dizia o poeta. A singularidade da voz de Carmen e a qualidade do som dos Midnattsol forma uma combinação desconcertante e o mais provável é nem sequer gostarmos à primeira audição (confesso-me culpada) – tudo depende do quanto o nosso ouvido e principalmente a nossa mente está habituada a ser submetida a experiências musicais deste tipo. Já a nossa alma, essa, acho que nunca deixa de se surpreender.

O som dos Midnattsol estabelece-se com este disco de estreia, como um corpo heterogéneo, que ora é metal pesado e forte, com as guitarras imbricando-se com uma bateria previamente gravada e que, por isso mesmo, imprime um ritmo quase alucinante às composições, ora os Midnattsol se revelam calmos, românticos, com as guitarras acústicas a deleitarem os nossos ouvidos e a voz de Carmen a tornar-se um rio suave que escorre montanha gelada abaixo, revelando toda a força da componente folk. WTD é esta paisagem metal folk, em que o peso e a melodia se duelam numa estranha harmonia e a voz de Carmen parece sobrevoar as composições como se se tratasse de uma criatura do Outro Mundo. Este duelo metal folk não poderia ser mais adequado para expressar as letras cantadas e escritas por Carmen que se baseiam nas tradições e lendas nórdicas e respectiva mitologia, temática que continuará a ser explorada, de forma ainda mais intensa, no posterior Nordlys.

Em WTD o som de guitarras atinge-nos imediatamente na faixa de abertura, Another Return, uma enchendo de peso, outra guiando numa melodia e o som da bateria é seco e rápido. A voz de Carmen entra doce e suave e os Midnattsol a levam-nos numa arrebatadora viagem pelas frias paragens nórdicas.

Lament segue-se, com um dos riffs mais rápidos de todo o álbum, sendo provavelmente a faixa mais pesada e ritmada do mesmo. Apesar da estonteante velocidade dos instrumentos, a voz de Carmen ergue-se em melodias lentas no refrão, rapidamente substituídas pela insistência das guitarras, numa faixa que se pode considerar a metáfora do som dos Midnattsol em 2005, alternando entre o peso e a melodia, entre os ritmos rápidos e os momentos de calmaria.

Segue-se Unpayable Silence, fazendo jus ao nome numa composição liderada por guitarras acústicas e a voz doce de Carmen, uma composição cujo peso se vai intensificando e que termina suavemente como começou.

The Haunted trás novo momento de peso e rapidez intensos, com guitarras e teclados a liderarem e a voz de Carmen a seguir logo atrás, tudo isto a grande velocidade, sendo que esta é sempre interrompida por momentos de menos peso, apenas com a rápida bateria a pontuar.

A abrir o single Desolation [tema que bateu records de downloads mal foi disponibilizado online] ouvimos a voz agora fria de Carmen sobre uma paisagem gelada e silenciosa, sem quaisquer instrumentos, sozinha no seu tom grave e melódico. Guitarras acústicas abrem caminho suavemente, estabelecendo uma paisagem de melodias que suportam momentaneamente a voz de Carmen na entrada da brevemente fustigante bateria, e as duas guitarras iniciam uma tecidura de peso que vai suportar o tema até à sua conclusão.

Segue-se a cadenciada Enlightment, rápida e saltitante, suportada por melodias estáveis e solos de guitarra. O destaque aqui vai mesmo para o trabalho dos dois guitarristas Chris Hector e Daniel Droste.

Novo momento acústico com Tårefall, que apesar do título em norueguês é integralmente cantada em inglês, na composição mais reveladora da alma folk/romântica do colectivo. O som é tipicamente originário de paragens do norte da Europa e a voz de Carmen surge grave e suave, contando tristes histórias.

Infinite Fairytale entra com ritmos de bateria, levando-nos numa viagem por mundos fantásticos. O peso das guitarras arrasta-nos para dentro da música e a voz de Carmen eleva-nos do mundo mortal, sobrevoando todo aquele peso, cantando-nos por entre os espaços cadenciados.

Mas o momento mais belo da voz de Carmen (na minha opinião) surge com a lindíssima Pa Leting, integralmente cantada na sua língua materna. De novo imperam as guitarras acústicas, sem que, no entanto, o peso das eléctricas ou mesmo o ritmo da bateria se ausentem.

Dancing With The Midnight Sun, último tema do disco, arranca com uma melodia sincopada por guitarras, lançando-nos na composição mais envolvente e excitante de WTD. Mais uma vez, destaque para as melodias das guitarras e a voz de Carmen que revela aqui o princípio de um icebergue de capacidades imensas que se vão evidenciar plenamente em Nordlys. O seu tom mais poderoso e forte intercala-se harmoniosamente com o seu timbre mais terno e doce e até sussurrado, nas poucas passagens cantadas em norueguês.

Com WTD os Midnattsol apresentam as premissas do que pretendem fazer. A voz de Carmen surge incontornável neste contexto, um tom lindíssimo na sua riqueza, suave mas forte, uma voz jovem que lhe parece sair com toda a naturalidade, ainda sem qualquer vício de cantora ou qualquer subterfúgio e verdadeiramente única por isso. Quem admira, como eu, diversos tipos de vozes femininas há-de compreender o que quero dizer. WTD foi o princípio auspicioso da carreira dos Midnattsol,

Destaques: Another Return, Tårefall, Pa Leting, Dancing With The Midnight Sun


16.5 valores


Nordlys - 2008

Tracklist:
1. Open your eyes
2. Skogens lengsel
3. Northern light
4. Konkylie
5. Wintertime
6. Race of time
7. New horizon
8. River of virgin soil
9. En natt i nord
10. Octobre (Edição Limitada)



Este ano os Midnattsol regressaram em força, oferecendo-nos Nordlys. Se escutar pela primeira vez WTD foi, para mim, uma experiência algo estranha, a estranheza limitou-se a aumentar exponencialmente ao escutar este Nordlys. Primeira coisa a registar: os Midnattsol cresceram e o seu som é intensamente revelador disso mesmo. Segunda coisa a registar: de quem é esta voz?
É nisto que pensamos quando ouvimos pela primeira vez Open Your Eyes, o tema de abertura de Nordlys. Para ser exacto, o título deveria ser antes "Open Your Ears", já que são estes que vão ser submetidos à experiência de escutar a voz de Carmen completamente metamorfoseada e transfigurada. Se antes o seu tom suave parecia sobrevoar as composições, despindo-as do seu peso quase opressivo e levando-nos para longe da própria música em outras melodias, agora ela parece ter descido à terra, talvez ao mais profundo abismo, imbricando-se com os instrumentos, solidamente construída e trabalhada.

O peso dos Midnattsol pode ser uma experiência avassaladora, se pensarmos que esse peso era já assim no WTD e a naturalidade da voz de Carmen procurava aí sobreviver e suportar a música no seu tom característico. A combinação da sua naturalidade com o peso é, inicialmente, muito estranha de se ouvir (ainda mais estranho é o facto de essa mesma estranheza ser viciante) e a sua voz podia por vezes perder-se entre o peso dos instrumentos. Em Nordlys, isso definitivamente não acontece e a voz de Carmen lidera acima de qualquer peso, ela própria mais pesada do que todas as guitarras e o ritmo forte da bateria. Torna-se evidente o caminho que o colectivo escolheu percorrer, com o reforço majestoso da componente metal - o peso está lá e ainda por cima reforçado pelo timbre de Carmen, a raiar o grave e rasgando-se em tons quase líricos. Por isso, logo numa primeira audição, uma coisa sabemos certa - o segundo registo dos Midnattsol é definitivamente mais pesado, coeso e homogéneo que o disco de estreia e a essa mudança não é alheia a evolução sublime que se deu na voz de Carmen. A esta mudança também não são alheios outros importantes factores, que vão desde o processo de composição (desta vez, podemos escutar uma verdadeira bateria e foram utilizadas guitarras e baixo analógicos), terminando na própria concepção do disco, gravado em quatro estúdios e com diferentes produtores (Markus Stock, nos estúdios E, Alexander Krull nos estúdios Mastersound, Tue Madsen nos estúdios Antfarm e Mika Jussila nos estúdios Finnvox), uma verdadeira maratona em busca de uma sonoridade mais pesada. Nordlys representa um enorme salto qualitativo na sonoridade dos Midnattsol em todos os sentidos.

No meio desta onda de grandes definições na sonoridade da banda, a inspiração dos Midnattsol continua a localizar-se em paragens nórdicas, referência mais do que explicita logo no título do álbum – Nordlys, que significa Luz do Norte – tema recorrente na mitologia e lendas nórdicas. Música, letras e até mesmo o belo design gráfico deste registo submetem-se a este tema. Nas palavras da própria Carmen, Nordlys é o «fenómeno energético que se dá pelo confronto entre dois pólos opostos, o sol e a terra e que é simbolizado por mim e pela Birgit, cada uma de nós representando um desses pólos». A vocalista aponta ainda o valor metafórico do termo, considerando esta “Luz do Norte” como «a verdadeira beleza do mundo, longe de bens materiais desnecessários que nos afastam cada vez mais do real significado da vida».
Interpretações à parte, a música fala por si.

Open Your Eyes é, como já referi, o tema bombástico de abertura e será porventura o refrão mais catchy composto pelos Midnattsol. Uma audição basta para ficarmos com ele na cabeça. Com ele e com a força da voz de Carmen, que se ergue, irreconhecível, forte e dominadora.

O primeiro tema em norueguês chega logo a seguir - Skogens Lengsel. É aqui que reconhecemos a vocalista que havíamos ouvido em WTD, porque Carmen vai alternar entre o seu tom suave e falado e os momentos elevados e graves. No final desta composição temos a oportunidade de reencontrar a antiga voz doce e suave de Carmen, de que tanto gosto. Mas as suas vocalizações abandonaram quase totalmente este seu registo doce, que ao longo de muitos CD’s poderia, entendo e até aceito, tornar-se cansativo. A sua voz é agora trabalhada e forte, grave e poderosa, com laivos quase líricos e operáticos que ela encaixa habilmente, com a mesma anterior naturalidade. Sem dúvida, um tom absolutamente único entre as Vocalistas do Metal.

O peso dos Midnattsol é entrecortado por lindíssimos momentos acústicos, com a presença fundamental da guitarra, que se constituiu, para mim, como uma marca da sua sonoridade folk nórdica. É em Northern Light que voltamos a enredar-nos em ambiências mais folk, mas o peso jamais nos abandona. Nem a melancolia. Este tema alterna entre uma rapidez moderada e o caminho de fantasia expresso pela melodia dos teclados. Destaque mais do que merecido para o trabalho dos guitarristas nos solos trabalhados que podemos aqui ouvir.

Konkylie arranca com as guitarras tecendo uma história de peso e melodia com mais de 8 minutos de duração. Novamente, os instrumentos de cordas são o grande destaque do tema, muito presentes e versáteis, criando complexas melodias e riffs sobre riffs, contribuindo para o tornar um dos temas mais pesados de todo o registo.

A sonoridade acústica regressa, naquela que é para mim a composição mais bela do registo. Wintertime. Equilíbrio mais que perfeito entre melodia e peso, entre velocidade e solenidade. Carmen sussurra insistentemente aos nossos ouvidos, mas não se trata aqui dos suaves murmúrios encantatórios de WTD, mas de uma voz insistente e perturbadora que nos quer levar a perder num local escuro e longe de tudo. Os murmúrios terminam num grito e somos lançados para o meio do peso das guitarras, que partem numa cavalgada comandados por uma senhora bateria e suportados pelo trabalho de Birgit no baixo. Este contribui em grande parte para a sensação de coesão das músicas, funcionando como fio condutor, elemento que suporta o peso imenso sobre ele.

Race of Times, arranca apropriadamente em corrida e os ritmos alternam-se diversas vezes ao longo da música, mas a velocidade nunca parece diminuir. Assinalável a prestação da bateria e de toda a secção rítmica, já para não falar das conversas entre as duas guitarras, espraiando-se ao longo de todo o tema.

É-nos permitido descansar em New Horizon, uma pequena composição folk que nos fala de um mundo destruído, entregue à secção acústica e à voz de Carmen, que aflora por momentos o tom de WTD.

River of Virgen Soil começa suavemente como se de um rio se tratasse efectivamente, despertando na fonte e começando a escorrer montanha abaixo. As guitarras entram momentos depois, agitando as águas do rio e fazendo com que estas corram mais velozes. A alternância entre os dois timbres de Carmen, que ora nos fala gravemente num, ora salta para o outro, subindo e entranhando-se na própria música é algo de absolutamente espantoso. Sem dúvida, o meu tema preferido em todo o registo.

Chegamos ao fim com En Natt I Nord. Por entre sons da natureza, ouvimos a voz de Carmen crescer em melodia. O peso entra pelos nossos ouvidos adentro, contendo tudo aquilo a que os Midnattsol nos souberam habituar neste Nordlys. Guitarras lideram na linha da frente, a bateria é veloz, o baixo constrói uma linha coesa e a voz de Carmen sai à cabeça desta canção que parece de saída de uma qualquer batalha deste mundo.

A faixa bónus Octobre arranca em velocidade e trás com ela uma surpresa - uma voz masculina grave toma conta de toda a composição, a voz do guitarrista Daniel Droste, que nos faz sonhar com futuros duetos que combinem o seu tom bastante invulgar com o de Carmen.

Nordlys é um registo coeso, espesso, não facilmente absorvível, que exige muitas horas da nossa vida, para ser escutado, absorvido, entendido e sentido. Mas quando o conseguimos fazer, é sem dúvida memorável. A voz de Carmen atingiu um nível quase impensável no anterior registo, demarcando-se claramente de quase todas as prestações vocais entre as Senhoras do Metal e apesar de o meu gosto pessoal me inclinar mais para WTD, Nordlys é, de longe, um registo mais sólido e que revela o crescimento qualitativo da banda. Premissas estabelecidas em WTD, primeira tese defendida com sucesso em Nordlys, quem sabe onde os Midnattsol poderão ir agora. Mas isso não importa, desde que nos levem… Eu só tenho um desejo: que Carmen combine de forma majestosa os dois tons maravilhosos da sua voz.

Destaques: Open Your Eyes, Konkylie, Wintertime, En Natt I Nord

18 valores


Inês Martins (Lua Minguante)

2 comentários:

Anónimo disse...

Foi o Review mais belo e poético que já li! Concordo com cada palavra sobre o Where Twilight Dwells. Você pretende fazer um review do The Metamorphosis Melody também?


Abraço,
Fabiana.

Anónimo disse...

Foi o Review mais belo e poético que já li! Concordo com cada palavra sobre o Where Twilight Dwells. Você pretende fazer um review do The Metamorphosis Melody também?


Abraço,
Fabiana.