Já fez um mês desde que os Nightwish estiveram no nosso país.
18 e 19 de Abril. Duas datas com lugar marcado no Coliseu do Porto e no Coliseu de Lisboa, respectivamente. Foi o regresso da banda finlandesa Nightwish a Portugal e a primeira passagem por estes lados já com a nova vocalista, a sueca Anette Olzon.
A qualidade dos músicos que compõem a banda seria mais que suficiente para diminuir qualquer cheiro de controvérsia, mas esta tende a implantar-se com uma firmeza nada subtil. Sentimento de expectativa que crescia já há muitos meses para os fãs mais dedicados, com bilhete adquirido imediatamente depois de estes terem sido postos à venda e que foi aumentando exponencialmente à medida que o tempo passava e Abril se aproximava.
A Longa Espera
Dia 19, faltam dez horas para a abertura das portas do Coliseu e o sentimento é de uma expectativa incontrolável. E nem o mau tempo pareceu afectar os mais dedicados fãs que se deslocaram a Lisboa, debaixo de uma chuva teimosa, de um vento frio e preparados para uma longa espera. Casacos escuros e roupa preta, sorrisos que nem o adverso clima perturba e olhos brilhantes, os fãs procuram abrigo de encontro às portas fechadas, debaixo de telheiros, atrás do camião do equipamento e aguardam ouvindo mp3, conversando, fazendo sinal aos amigos que chegam. Algum tempo depois (ora chovia, ora parava de chover) somos comprimidos entre uma grade e as portas ainda fechadas do hall do Coliseu. Apesar do espaço exíguo os ânimos não foram abalados. Mais uma hora de espera e as portas abriram-se finalmente. Os grupos ocuparam os seus lugares, sentados, encostados às paredes, outros às grades, encolhendo-se, dando espaço. A espera iria ser longa e fez-se quase sempre acompanhada dos sons dos mp3, tocando Nightwish. Jogou-se às cartas, conversou-se, conferiu-se mil vezes a possível setlist, houve quem trouxesse um livro para passar o tempo. A controvérsia era bastante inevitável e por muito que se queiram polémicas aparte, as atenções centravam-se, quase inevitavelmente, na prestação da vocalista que tinha, segundo alguns (ou se calhar, todos), provas a dar.
Nove horas depois a espera tinha-se tornado insuportável. Às 19.30h já ninguém jogava às cartas, muito poucos ainda escutavam a música nos seus phones. Ninguém estava já sentado e alguns engoliam em seco uma sandes qualquer. A ansiedade atingira o pico e quando as portas finalmente abriram, iniciou-se uma corrida louca para dentro da sala. A multidão comprimiu-se contra as grades em frente ao palco, onde o material silencioso da banda de abertura, os suecos Pain, aguardava.
O Concerto
Mais algum tempo de espera com toda a gente demasiado feliz para se sentir incomodada pela falta de espaço. Conversas em diferido espalhavam-se por todo o lado e pouco depois
Peter Tägtgren e restante banda subiram ao palco, fazendo soar o seu metal industrial, com predominância dos temas do último álbum
Psalms Of Extinction.
Alguns problemas técnicos a nível de som impediram-nos de usufruir em pleno da música, com a bateria a sobrepor-se em demasia aos outros instrumentos e soterrando a voz do versátil vocalista, que tanto se entrega a linhas melódicas como solta berros roucos. Apesar dos problemas técnicos, a simpatia dos membros dos Pain pareceu conquistar a audiência que os aplaudia com generosidade.
Esperava-nos uma surpresa no final, com a entrada dos Nightwish em palco, que se juntaram à banda para tocar o tema dos Pain, Shut Your Mouth. Com cerca de 10 pessoas em palco, Anette e Peter partilhando os vocais, os outros membros das duas bandas espalhando-se pelo espaço e assumindo os instrumentos respectivos e os restantes membros fazendo backing vocals no refrão, este momento foi o final mais que perfeito para a primeira parte de um concerto que seria memorável.
Meia hora depois e, felizmente, resolvidos os problemas a nível de som, o Coliseu de Lisboa encheu-se finalmente do power metal sinfónico dos Nightwish orquestrado pelo mestre-de-cerimónias Tuomas Holopainen, para aquela que seria uma noite em que nenhum desejo ficaria por cumprir.
Foi nesse espírito que a banda deu entrada em palco, após introdução de três minutos, com um dos recentes singles, Bye Bye Beautiful – tema de apologia de uma verdadeira nova era. A nova bela de Tuomas Holopainen e companhia entra no palco para os primeiros versos que se lançam depois, na companhia de Marco Hietala (baixista e vocalista), num intenso refrão.
Segue-se Dark Chest of Wonders e a prova de fogo para Anette, perante uma das composições de vocalização mais operática dos Nightwish. Anette toma conta do microfone oferecendo ao público a sua própria interpretação das vocalizações de Tarja Turunen e apesar de a música perder um pouco do seu peso, não deixa ainda de ser uma experiencia memorável com Anette a contornar as notas mais elevadas com a sua própria tonalidade vocal.
No momento seguinte volta-se a terreno seguro e a uma das melhores exibições de toda a banda e da nova vocalista. Whoever Brings the Night. Anette sofre autêntica metamorfose perante os nossos olhos e ouvidos, lançando olhares maliciosos e atrevidos à audiência numa interpretação directa da paisagem musical e da letra e numa das suas melhores prestações vocais.
Nova prova de fogo, desta vez muito mais bem sucedida, embora tivesse havido quem não gostasse. Ouve-se a melodia encantatória de The Siren e a voz doce de Anette oferece-nos uma performance de grande qualidade, mais uma vez numa interpretação própria e livre dos momentos mais operáticos, levando-nos estranhamente a descobrir que a música funciona muito bem sem eles. A combinação das vozes de Anette e Marco funciona na perfeição.
Amaranth explode no palco, a banda explode em energia e a voz de Anette surge bombástica num dos novos singles, provando este ser um tema especialmente feito à imagem e semelhança da sua capacidade vocal.
O primeiro momento mais calmo da noite segue-se, trazendo consigo a emoção de
The Islander. Entram as guitarras acústicas, Marco senta-se numa cadeira e os acordes da música enchem uma noite já bem aquecida. Primeiros versos de uma bela história sobre um velho do mar e Anette entra novamente em palco, trazendo uma coroa na cabeça, qual princesa na torre de que nos falam as letras. Suavidade e beleza, excelente combinação de ambas as vozes e um dos momentos altos da noite.
Eis senão quando chega o momento porque muitos esperavam (senão todos) - os coros de entrada da magistral obra-prima The Poet and the Pendulum, ex-líbris de Dark Passion Play, fazem-se ouvir na escuridão. O tema de 13 minutos é tocado na íntegra, reflectindo a força simbólica e mestria dos Nightwish de hoje. Tuomas Holopainen é maestro e encenador e a peça desenrola-se perante os nossos olhos. Somos levados ao rubro nos refrões e aos abismos angustiantes e negros da história, com a voz de Anette a levar-nos da emoção ao delírio, do delírio à dor, da dor à acalmia, sussurrando e murmurando, envolvendo-nos com doçura, conduzindo-nos ao céu para nos fazer despenhar em seguida. É com emoção na voz e nos olhos claros que a vocalista interpreta a quarta e última parte desta composição – Mother & Father. Muito perto do público, olha cada um nos olhos e faz render uma plateia já extasiada pela poderosa música dos Nightwish.
O refrão de entrada de Dead To The World faz-se ouvir logo em seguida, sem nos dar tempo sequer para respirar. O diálogo entre Marco e Anette desencadeia-se na perfeição do encontro destas duas vozes e a música leva a plateia à completa loucura. Momento alto na exibição incrível dos músicos Jukka na bateria e Emppu nos solos de guitarra, que voltam neste tema a dar provas da sua qualidade já mais que comprovada.
Seguiu-se o tema While Your Lips Are Still Red, luzes apontadas ao teclista e ouvidos deleitados na voz tão característica de Marco Hietala fazendo uso do seu tom mais melódico e doce, atingindo notas incrivelmente altas, uma voz que lhe faz valer claramente o estatuto assumido de segundo vocalista da banda. Resultado: um momento emocionalmente único.
As luzes em palco passam a um tom alaranjado e os acordes de Sahara fazem-se ouvir preparando-nos para um dos temas mais bombásticos do novo álbum. Momento a solo do guitarrista Emppu e loucura dos restantes membros da banda. A meio surge em palco uma figura vestida de Bin Laden (suspeita-se, Peter, vocalista dos Pain) distribuindo fruta e garrafas de água pelo público que aceitou mais do que alegremente a preciosa dádiva, já que o calor na plateia se começava a assemelhar a um autêntico deserto. Grande exibição da parte de todos os membros, com destaque para Anette que deu largas a todo o seu poder vocal neste tema, interagindo intensamente com o público. No final do tema, novo momento divertido com os membros dos Pain a surgirem em palco, com toalhas pousadas nos braços à garçon e copinhos que serviram aos membros dos Nightwish.
Anuncia-se a suposta última música da noite. Nemo. Tarefa de enorme esforço vocal para Anette que contorna as notas mais elevadas com a sua própria tonalidade vocal. As ligeiras desafinações neste tema são suplantadas pelo poder da música que leva ao rubro a plateia.
Chega finalmente o ansiado encore que se faz de três músicas absolutamente bombásticas. A abrir com 7 Days to The Wolves, tema forte do novo álbum. Público já mais que rendido grita o refrão nas vozes de Anette e Marco. Em palco múltiplas interacções entre o baixista e guitarrista, ambos brilhantes durante toda a actuação.
A inevitável Wishmaster faz-se ouvir então, primeiro subtilmente com acordes de piano e depois explodindo no conhecidíssimo refrão, provocando arrepios pela espinha acima. A multidão é levada à loucura por este clássico dos Nightwish.
Por fim, a última música, outro clássico absolutamente incontornável e a multidão é levada para além da loucura. Wish I Had an Angel surge sem se fazer anunciar e os membros dos Pain voltam a aparecer em palco, com o vocalista a tomar lugar na bateria de Jukka e as guitarras a duplicarem-se. Momento inesquecível… mais palavras para quê?
Está mais que provado que os Nightwish têm um lugar muito próprio e demarcado na cena do metal, um lugar onde tocam música por paixão e onde se afirmaram já há muito tempo. Anette Olzon acabou de chegar a esse lugar e foi recebida nele, tendo agora de batalhar para nele encontrar também o seu cantinho. Se a escolha do vestuário que usou em palco levou muitos a torcer o nariz, não penso que o mesmo se possa dizer da energia que demonstrou. Anette soube conquistar o público com intensa simpatia e à vontade, interagindo com os membros da banda e cantando com emoção e presença. Princípios do caminho de uma nova Senhora do Metal.
SETLIST:
1- Intro + Bye Bye Beautiful
2- Dark Chest Of Wonders
3- Who ever brings the night
4- The Siren
5- Amaranth
6- The Islander
7- The Poet And The Pendulum
8- Dead to the world
9- While Your Lips Are Still Red
10- Sahara
11- Nemo
ENCORE
12- 7 days to wolves
13- Wishmaster
14- Wish I Had An Angel
Fotografia - créditos e agradecimentos a: A. Martins e S. Almeida.
Inês Martins - Lua Minguante