domingo, 10 de agosto de 2008

REVIEW Ava Inferi - The Silhouette (2007)

Tracklist:
1. A Dança das Ondas
2. Viola
3. The Abandoned
4. Oathbound
5. The Dual Keys
6. Wonders of Dusk
7. La Stanza Nera
8. Grin of Winter
9. Pulse of the Earth

Quando, em 2006, ouvi o primeiro álbum dos Ava Inferi, Burdens, não consegui evitar uma certa desilusão. Eu era uma fã do trabalho da Carmen nos Aenima, e o Sentient era para mim – e continua a sê-lo – um dos melhores álbuns dentro do seu género, em grande parte graças à voz magnífica desta sereia portuguesa, a senhora Carmen Simões. Vénias.

Contudo, escutá-la em vocalizações estranhas que, por vezes, lembravam as da Diamanda Galas (de quem sou uma admiradora), foi uma experiência bizarra. Desisti de imediato da banda e do seu primeiro álbum. Precipitei-me.

No final do ano passado, chegou-me às mãos o novo trabalho deste colectivo de Almada, que conta com a presença de Rune Eriksen, mais conhecido como Blasphemer na sua antiga banda: nem mais nem menos, os Mayhem. Apesar de não ter gostado do Burdens decidi arriscar, uma vez mais para ter o prazer de ouvir a voz da Carmen. E qual não foi a minha surpresa quando percebi que me tinha apaixonado por este álbum!

Dei por mim a pensar no que poderia explicar esta súbita passagem da indiferença a uma paixão que me levava a regressar a este The Silhouette com tanta frequência. Estaria assim tão diferente em relação ao debute album? Sim, existem algumas diferenças significativas, mas não tão radicais assim. Teriam os meus gostos musicais mudado? Talvez. Talvez se tenham refinado. Talvez os meus ouvidos se tenham aberto a novas sonoridades. Honestamente, a resposta a esta questão mantém-se em aberto.

Os Ava Inferi eram o projecto paralelo do guitarrista dos Mayhem, Rune Eriksen aka Blasphemer - isto até, há pouco tempo atrás, ter abandonado os Mayhem para se dedicar inteiramente aos Ava Inferi e a outros projectos ainda por revelar. Não deixa de ser curioso que tenha sido em Portugal que encontrou os músicos talentosos para darem vida à sua nova banda… ou talvez não. Com os colectivos que têm despontado por cá nos últimos anos, não temos grandes motivos para um baixa autoestima, pelo menos no que diz respeito ao nosso panorama metálico. Sobre Carmen Simões, embora esta Senhora do Metal já tenha uma carreira relativamente longa, talvez a reconheçam das The Crystal Mountain Singers, que abrilhantaram o último álbum dos Moonspell.

A música dos Ava Inferi pode ser catalogada como Doom Metal Atmosférico, embora a descrevam como “Metal Down Tempo”. E é mesmo disso que se trata: riffs de guitarra arrastados e chorosos, uma bateria lenta e cadenciada, e belos teclados que nunca tomam realmente a dianteira nem obliteram os restantes instrumentos.

Sendo Rune Eriksen o mastermind dos Ava Inferi, não tenho dúvidas de que Carmen Simões é a alma. O que posso dizer sobre a sua voz? Do ponto de vista técnico a sua prestação é perfeita, conseguindo alcançar notas graves ou extremamente agudas com igual facilidade. Aliás, quando a oiço tenho sempre a sensação de que o que ela faz é fácil, tal é a sua fluência. E a alma… há fado no seu canto, e beleza, e luz, e trevas. Uma espiral de sentimentos que pode tornar este The Silhouette difícil de digerir. A música não é catchy nem fica no ouvido. Não se trata de uma sonoridade fácil nem pretende sê-lo. Para mim foi amor à primeira vista, mas para outros pode ser um gosto adquirido, por isso não desistam se não compreenderam de imediato. Foi o que eu fiz com o Burdens, que acabei por aprender a apreciar.

The Silhouette abre com chave de ouro: nem mais nem menos, com uma das melhores e mais belas malhas do álbum. A Dança das Ondas é inteiramente cantada em português, com influências muito claras do fado. A voz de Carmen revela os seus vários cambiantes: grave, aguda, falada, sussurrada; e as guitarras chorosas acompanham os seus lamentos de saudade pelo amado perdido no mar. O som das ondas que se escuta no fundo acrescenta um toque especial.

Segue-se outra das minhas favoritas Viola, que considero a mais agressiva do álbum. Quando recorro à expressão "agressiva" não me estou a referir a uma agressividade literal e óbvia, até porque a música dos Ava Inferi nunca chega a ser brutal. A “agressividade” - à falta de melhor palavra - está presente na voz de Carmen, que tem uma capacidade perturbadora de interpretar desespero e loucura de uma forma tão sóbria. Viola (outra referência ao fado?) é, talvez, a faixa mais complexa alguma vez criada pelo colectivo. Ocorrem várias mudanças nas melodias e nos ritmos, e as linhas vocais são bastante originais. Há metal, há fado, há até uma pitada de jazz. Se querem realmente perceber a essência dos Ava Inferi, aconselho-vos a começarem por aqui.

The Abandoned é outra favorita, e a mais catchy devido ao seu refrão memorável e ao seu ritmo ligeiramente – atenção, apenas ligeiramente – mais rápido. Segue-se Oathbound, um dos momentos mais belos do álbum, em que Carmen canta acapella. A letra é uma declaração de amor e a voz de Carmen é um tímido raio de sol na escuridão.

The Dual Keys honra a sonoridade Doom, com os seus riffs graves, distorcidos e arrastados, enquanto que em The Wonders of Dusk são notáveis as influências avangard, em grande medida devido ao trabalho do teclado e das linhas vocais. A meio da faixa dá-se uma mudança de ritmo e a vocalista irrompe num cântico que termina abruptamente, deixando-nos com a sensação de que foi apenas um sonho. Magistral.
Em La Stanza Nera
as influências avantgarde regressam. A voz de Carmen desempenha um papel mais secundário, permitindo que os instrumentos assumam o protagonismo

A melancólica Grin of Winer, em que a vocalista utiliza um tom quase operático, cede a vez a um dos grande momento de The Silhouette. Esse momento chama-se The Pulse of the Earth, e quando, repentinamente, as percussões étnicas tomam a música de assalto, quase consigo sentir a terra a pulsar debaixo dos meus pés. É de destacar o excelente trabalho da bateria.

Com este álbum os Ava Inferi conseguiram surpreender-me pela positiva. Notam-se diferenças importantes em relação ao Burdens, que é um trabalho mais ambiental e experimental, enquanto este é mais metal, com guitarras mais fortes e distorcidas. Se em Burdens a voz de Carmen funciona sobretudo como mais um instrumento, aqui ela tem o destaque que merece, embora nunca se sobreponha demasiado aos instrumentos, especialmente às guitarras. E quem disse que os riffs no Doom Metal têm de ser repetitivos e monótonos? Em The Silhoutte temos uma grande variedade de riffs, todos eles muito belos. Porque é de beleza e de melancolia que falamos quando falamos dos Ava Inferi.

Entre os novos valores que têm surgido nos últimos anos – muitos deles projectos de grande qualidade –, este é um dos mais promissores. No momento em que estão a preparar um novo álbum, os Ava Inferi estão também a dar vários concertos fora de terras lusas. Infelizmente, ainda não têm nada agendado para Portugal mas acredito que, brevemente, teremos o prazer de ver, e ouvir, esta banda ao vivo. O público português merece.

Destaques: A Dança das Ondas, Viola, The Abandoned, Oathbound, The Pulse of the Earth



18,5 Valores

Cláudia Rocha, Lua Crescente


Line-up: Carmen Simões (voz), Rune Eriksen (guitarras e FX), Jaime S. Ferreira (baixo), João "Bandido" Samora (bateria e percussão), Marco Agostinho (guitarra)

Myspace: http://www.myspace.com/avainferi


Sem comentários: