quinta-feira, 30 de outubro de 2008

REVIEW ThanatoSchizO - Turbulence [2004]

Tracklist:

1. Sweet Suicidal Serenade
2. Traces
3. Soured Memory
4. inExistence
5. Untiring Harbour
6. Freedom Subways
7. Void






Em 2004, após dois registos de longa duração, os ThanatoSchizO (TSO) tinham para nos oferecer o seu melhor álbum até então. Turbulence constitui o ponto de convergência das múltiplas vertentes da sonoridade TSO, cuja exploração começara nos registos anteriores. Simultaneamente, este foi momento da consagração da Senhora do Metal Patrícia Rodrigues como vocalista e intérprete de relevo na sonoridade da banda, tendo passado a repartir a composição lírica com Eduardo Paulo (vocalista).


Turbulence traz consigo um som mais coeso e definido, o que não quer dizer que os TSO tenham abandonado a esquizofrenia que os caracteriza e lhes dá nome. Muito pelo contrário.

Este terceiro longa-duração da banda trasmontana traz-nos um doom/death metal de carácter progressivo e ambiental, que afirma a consistência técnica dos músicos e as suas capacidades de composição e interpretação. Os momentos thanatos (na mitologia grega Thanatos era o deus da Morte) e os momentos schizo (loucura, esquizofrenia) interligam-se na perfeição como se tivessem nascido para uma [dir-se-ia improvável!] harmoniosa parceria. Apropriadamente intitulado Turbulence [e digo apropriadamente, porque ninguém passa por esta turbulência e fica indiferente], este registo oferece-nos momentos que vão da quase completa esquizofrenia [o tal schizo], a ritmos sincopados, passando por paisagens experimentais, ambientes soturnos e melancólicos de profusas melodias, conjugados com riffs pesados e grunts de arrepiar [quem sabe, o tal thanatos].

Cada uma das sete longas composições (a mais curta tem 6.17 minutos) constitui uma identidade própria, contendo momentos rápidos e mais lentos [mas nunca demasiado lentos], configurando em cada um deles esse lugar indefinido onde os TSO se movem, algo entre a violência e a extrema fragilidade, algo entre thanatos e schizo. Um lugar único, permitam-me acrescentar.

À conquista de mares nunca antes navegados [ou melhor, talvez pouco ou raramente navegados], os TSO espalham tempestades da sua loucura saudável. É como se a matéria-prima em bruto fosse o peso dos instrumentos e tudo o resto um terreno infinito de possibilidades inexploradas. Sempre demasiado originais para se manterem dentro dos cânones de um género, a música dos TSO faz-se entre extremos, buscando um contraste que se ancora não só na vasta secção instrumental mas também, e de forma evidente, nas vozes díspares e harmoniosamente articuladas dos vocalistas que nos oferecem não apenas dois, mas três registos distintos. Desde o tom melódico e directo de Patrícia Rodrigues, aos grunts de Eduardo Paulo, que oscila entre os berros death metal e um tom límpido e melancólico, nunca a dicotomia funcionou tão bem. Beauty and the Beast seria um rótulo possível para a magnífica prestação destes vocalistas, mas a verdade é que esta denominação está longe [muito longe!] de começar, sequer, a descrever o que estes dois fazem.

E já que falamos de [palavra terrível!] rótulos, Patrícia Rodrigues tem sido comparada com Sharon den Adel (Within Temptation). Confesso que não vejo qualquer semelhança. Aliás a voz de Patrícia tem a qualidade rara de não se parecer claramente com nenhuma outra que tenha ouvido, soando fresca e suave, forte e desesperada, adequando-se a cada momento. A apontar alguma influência, podemos talvez reconhecer a inspiração em Anneke Van Giersbergen (Agua de Annique, ex-The Gathering) ou Cristina Scabbia (Lacuna Coil), sem que, porém, soe como uma ou como outra. Mais do que uma cantora, Patrícia demonstra ser uma verdadeira intérprete, não se limitando a entoar as melodias, transmitindo um sentimento em cada palavra, um desespero quase real. Como vocalista tem, acima de tudo, sensibilidade – algo raro e que se estende também ao vocalista masculino. Eduardo Paulo explora, de forma harmoniosa, os dois registos da sua voz: a sensibilidade melancólica do seu tom limpo e quase frágil e a força destrutiva dos seus magníficos grunts. Um excelente trabalho vocal que se apoia em toda uma estrutura musical completamente desconcertante, complexa e perturbadora.


Este é o fabuloso mundo dos TSO, concebido pelas melodias e riffs de guitarra de Guilhermino Martins, pelo trabalho intrincado do baixo de Miguel Ângelo, pelas atmosferas criadas pelos sintetizadores a cargo de Filipe Miguel e pela excepcional secção rítmica de Paulo Adelino. Dinamismo é, aqui, a palavra-chave e a explicação para a turbulência constante em que nos vemos mergulhados a partir do momento em que carregamos no play. As guitarras têm uma presença avassaladora, oscilando entre a velocidade dos riffs e uma prestação mais emocional e dramática. Na sua esquizofrenia saudável, os TSO exploram territórios étnicos, com apontamentos arábicos, asiáticos e africanos, para os quais contribui a presença dos sintetizadores e dos ritmos tribais que Paulo Adelino retira habilmente da bateria e restante percussão.

Liricamente, são explorados temas obscuros, algures entre a dor e o desespero, sendo que as letras constituem um trabalho de características quase literárias, que foge à estrutura típica verso-refrão-verso-refrão-verso dramático-refrão ad infinitum. Mais do que simples letras de música, os TSO criam verdadeiras composições poéticas.

Sweet Suicidal Serenade abre o disco de forma bombástica e retumbante. Com riffs de guitarras contagiantes e um refrão que se recusa a abandonar a nossa mente durante semanas a fio, é talvez a faixa mais memorável do registo. Os grunts de Eduardo entram a abrir, viciando-nos quase de imediato. Uma desaceleração traz uma súbita melancolia, emocionalmente decalcada pela voz de Patrícia e explodindo de forma gloriosa no tal refrão absolutamente catchy. E depois disto é praticamente impossível fugir. Destaque para os riffs viciantes de guitarra e para o trabalho dos dois vocalistas que, nesta faixa, têm um dos melhores momentos de combinação dos seus timbres, tornando este num dos temas mais dinâmicos do álbum.

Segue-se Traces, uma composição absolutamente indescritível. A cada audição descobre-se algo que antes parecia nem lá estar. Esta música é, em si mesma, uma autêntica viagem pelo estranho mundo TSO, que nos leva desde a suavidade ambiental, transportando-nos para um lugar mais perto da natureza, tecido pelos sintetizadores profusos, arrastando-nos através do tom limpo de Eduardo Paulo, que nos conduz por uma espécie de sonho perturbador que logo se transforma em berros graves, por sobre a insistência das guitarras, e com a voz de Patrícia a sobrevoar o peso como se dançasse. A música torna-se mais agressiva, os grunts de Eduardo dominam por momentos, até a voz melodiosa de Patrícia os envolver. Mas o seu tom não traz sossego à nossa alma já angustiada, mas sim mais alguma inquietação, por se erguer numa espécie de desespero quase tangível. A bateria torna-se insistente mas a viagem está longe de terminar. Patrícia tem ainda mais umas doses de desespero para nos oferecer em momentos de devaneio vocal e a sua emoção é palpável, exercendo um contraste arrepiante com os guturais de Eduardo. Uma vez rendidos a Traces, o espírito rende-se ao resto do álbum.

Soured Memory repousa sobre os magníficos poderes dos teclados de Filipe Miguel e da tal precursão meio tribal, que vai desde logo marcando o compasso de influências mais díspares e étnicas. A dinâmica vocal é mais uma vez acentuada, com a magnífica combinação entre grunts profundos e as tonalidades mais limpas de ambas as vozes, masculina e feminina, destacando-se claramente esta última, pela profunda fragilidade emocional aqui interpretada.

inExistence traz toda a magnificência da melodia deste jogo entre thanatos e schizo, com a bateria e a guitarra a encenarem uma dança vertiginosa. A interpretação de Patrícia aflora fragilidades e desesperos, dançando harmoniosamente sobre o peso, enquanto os guturais de Eduardo pontuam de violência os espaços deixados em branco. A música mergulha em ambiências suaves com Eduardo a entoar um dos versos de que mais gosto – No longer will I dig/My grave under your body”. A composição termina com um glorioso solo de Guilhermino. Um momento brilhante.

Untiring Harbour realça o lado mais experimental e melancólico, sem dispensar o peso. Destaque para a excelente prestação do tom mais límpido de Eduardo, que revela ser o companheiro mais que perfeito para os tons melódicos e delicados de Patrícia. Destaque também para a omnipresente guitarra e para o trabalho de percussão de Paulo Adelino.

Freedom Subways é, a par de Sweet Suicidal Serenade, outro dos temas mais viciantes. Começa com percussão, logo seguida das guitarras e dos grunts de Eduardo. O refrão é incontornável, os guturais absolutamente contagiantes. Ainda assim, há tempo para alguns momentos mais soturnos e experimentais, com o baixo a estabelecer linhas intricadas e a voz de Patrícia a destacar-se pela sua interpretação dramática, mas nada teatral. Sem dúvida, a minha preferida de todo o álbum.

Por fim, thanatos e schizo unem-se para um final feliz em Void, a composição mais experimental de todo o álbum. Os cerca de 10 minutos de Void oferecem-nos tudo aquilo que melhor os TSO sabem fazer. Marcada por diversas influências étnicas, Void tem momentos de calma e de agressividade, passagens gloriosas de sintetizadores, riffs de guitarra [alguns incrivelmente schizo], culminando, inclusive, com um furioso riff trash a grande velocidade. Toda a parte instrumental é de destacar nesta faixa, mas os sintetizadores têm aqui o seu momento de apogeu, conjuntamente com as incursões tribais da bateria. O trabalho da guitarra é também de destacar, criando passagens melodiosas e momentos de uma autêntica esquizofrenia voraz. Absolutamente indescritível.

Tudo isto se junta em diferentes camadas, que absorvemos lentamente, até elas se infiltrarem completamente em nós e já não sermos capazes de fugir. Este não é, de maneira nenhuma, um disco de fácil digestão. Exige tempo e muitas audições para se entender a esquizofrenia dos TSO, e compreender que essa esquizofrenia não é sem sentido. Aliás, há um sentido e os TSO sabem qual é, e para ele caminham a passos largos. A nós resta-nos procurá-lo em múltiplas audições deste eclético e híbrido registo, tão brutal quanto atmosférico. No final, todas as portas abertas para novas evoluções, orientações e inspirações culminaram num brilhante Zoom Code.

Destaques: Sweet Suicidal Serenade, Traces, Freedom Subways, Void

16,5 em 20

Inês Martins (Lua Minguante)


Line up: Patrícia Rodrigues (voz), Eduardo Paulo (voz, guitarras e percussão), Filipe Miguel (teclados e sampling), Guilhermino Martins (guitarras, voz e sampling), Miguel Ângelo (baixo) Paulo Adelino (bateria e percussão)

Site Oficial

Myspace

1 comentário:

Anónimo disse...

Haja alguém que sabe o que escrever quando ouve esta bela banda lolol. Parabéns pela review, está fabulosa. Haja alguém que consegue explicar por palavras aquilo que eu sentia mas que não conseguia exprimir nas minhas tentativas frustradas de fazer a review do Zoom Code.
Perdoem-me no entanto duas pequenas críticas; A primeira prende-se com a nota atribuída ao album, creio que devia ser mais elevada, mas isto é a minha opinião e vale o que vale. A outra tem a ver com um pequeno erro técnico ou falar no "trabalho intrincado do baixo de Miguel Ângelo" e, em separado, na "ecção rítmica de Paulo Adelino"... Bem, o baixo também é um instrumento de ritmo. O bloco rítmico numa banda é composto pelas percussões e pelo baixo, como tal, creio que o termo "secção rítmica" não é lá muito bem utilizado.

Mais uma vez, parabéns pela review ;)